Prof. Dr. Silvio Luiz Lofego
Doutorado em História e Cultura pela PUC/SP, professor universitário e escritor

Prof. Dr. Silvio Luiz Lofego

Doutorado em História e Cultura pela PUC/SP, professor universitário e escritor

Espaço escolar: diversidade e respeito

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O espaço escolar tem sido marcado nos últimos tempos por intensos debates sobre as transformações sociais e culturais, bem como seu papel nesse processo de transformação. A Constituição de 1988 demarcou novos cenários políticos e os movimentos sociais conquistaram e ocuparam novos espaços, reivindicando o reconhecimento e o respeito às diversidades. Muitos avanços foram pontuados em termos jurídicos, e, até mesmo uma nova mentalidade se constitui nas últimas décadas. O politicamente correto aos poucos tem alcançados regiões antes marginalizadas pela cultura hegemônica. Novas identidades foram afirmadas, diferentes expressões socioculturais passaram a ser reconhecidas e respeitadas.

No entanto, quando analisamos a instituição escolar, cabe perguntar, como o currículo escolar tem contribuído para construção de uma sociedade plural? Que conhecimentos são valorizados e quais são silenciados nesse processo? Não é difícil observar que tanto para a ascensão as universidades, como em outros processos seletivos, predominam uma cultura que privilegia os saberes de uma cultura hegemônica desde do período colonial, calando-se perante os saberes das demais culturas.

As leis 10.639/03 e 11.645/08 e suas respectivas diretrizes curriculares nacionais, buscou estabelecer parâmetros para a Educação das Relações Étnico-Raciais com a inclusão da história e cultura de todos os grupos étnico-raciais no currículo escolar (negros, brancos, indígenas, ciganos, amarelos e outros), com especial atenção ao contexto social, político histórico no qual a escola está inserida. Entretanto, autores como Jurandir de Almeida e Beatriz Giugliani, ambos pesquisadores da Universidade Federal do Recôncavo Baiano e da Universidade do Estado da Bahia, a educação brasileira permanece resistente à inclusão da discussão sobre as relações étnico-raciais, às diferenças e à história e cultura afro-brasileira, africana e indígena no interior das escolas. Segundo esses autores, essa resistência está fincada numa história de reforma educacional indiscutivelmente fundada em modelos tecnocráticos, eurocêntrico e monocultural, o que implica considerar a diversidade sob um aspecto que determina socialmente a diversidade como um campo para hierarquizações, exclusões e violações dos direitos sociais, intelectuais, sexuais etc.

Será que se considerarmos o cotidiano pedagógico da sala de aula, é possível afirmar que as temáticas e conteúdos sobre diversidade étnico-racial e cultural do povo brasileiro, como orientam as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais, são trabalhados satisfatoriamente nas escolas? Os conteúdos culturais, no caso da cultura afro-brasileira e indígena, e mais a vida e a realidade dessas mesmas comunidades, raríssimas vezes são usados como conteúdo de reflexão e investigação, não se inserem no dia a dia do fazer pedagógico. Os citados autores, chamam a atenção para uma escola que tende a enfatizar a assimilação das diferenças culturais ao invés de tratar os estudantes como portadores de memórias sociais diversificadas, negando-lhes o direito de falar e representar na busca de conhecimento, aprendizagem e autodeterminação.

O silencio e a invisibilidade da realidade das comunidades afro-brasileiras e indígenas ajudam, portanto, a configurar mentalidades etnocêntricas, ao mesmo tempo em que desestimulam as crianças, jovens e adultos negros e indígenas a conhecer e valorizar a sua própria cultura, assegurando assim a continuidade da sua comunidade. Nesse contexto, temos uma condição que estimula o próprio negro e indígena a rejeitar a sua identidade étnica. Desse modo, a escola se configura como um lugar onde se produzem e reproduzem as desigualdades sociais e raciais. Nesse lugar de construção e transmissão de conhecimentos, interesses e necessidades de diferentes grupos étnico-raciais e culturais se entrecruzam, preponderando os dos que têm poder de influir nas decisões políticas, ficando esquecidos ou sendo desqualificados os dos demais

As leis 10.639 e 11.645 colocaram em urgência a necessidade de formulação de novas abordagens educacionais que tenha como princípio básico a diversidade humana e cultural que compõem o Brasil e o mundo. Portanto, é urgente pensar a formação daqueles ou daquelas que terão a responsabilidade de construir a sociedade que teremos no futuro.  E uma sociedade justa é feita de enfrentamentos diversos. Passa pela disposição do professor em aprender para ensinar e ensinar para aprender.  Passa pela luta política, mas principalmente entendendo que política começa com poli. Portanto, significa lidar com o diverso, a multiplicidade. Politizar é desenvolver nossa capacidade de aprender a olhar por ângulos diversos e ter a grandeza de conviver com as diferenças. Fora isso, temos o homogêneo, o totalitário.

Neste sentido, a política compõe nosso cotidiano, os espaços por onde circulamos e construímos nossa visão de mundo. O espaço escolar é o espaço que mais sintetiza o político.   É o espaço da minha postura em relação ao outro, mas é, essencialmente, o espaço da formação, de onde vão sair novos conceitos, valores e visão de mundo. É desse espaço que teremos uma sociedade capaz de conviver em paz com as diferenças ou não. Por essa razão, o espaço escolar, vai muito além de conteúdos específicos. Ele é o que chamamos de currículo. É ele que forma. Sendo assim, aquele que escolheu ser professor, precisa sempre estar preparados para ele.

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