Prof. Dr. Silvio Luiz Lofego
Doutorado em História e Cultura pela PUC/SP, professor universitário e escritor

Prof. Dr. Silvio Luiz Lofego

Doutorado em História e Cultura pela PUC/SP, professor universitário e escritor

Deserto político

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Nascer, crescer e envelhecer no Brasil é um misto de sonho, esperança e frustração. Minha geração nasceu sob um regime autoritário, brutal, temeroso e muitas vezes indecifrável, que censurava a liberdade e ceifava a criatividade. Acreditei que nossa luta contra aquele sistema opressor nos levaria para um futuro de justiça e dignidade.  Nossa vitrine era chamada de democracia liberal, onde estavam produtos que aboliriam a corrupção, a intolerância e a desigualdade. No final da década de 1980 compramos todos os ideais que ofereciam justiça social, respeito ao meio-ambiente e liberdade, no mesmo pacote vinham diversidade étnica e sexual. Mas até o momento nenhum desses produtos foram entregues integralmente e, sinceramente, nunca serão.

Hoje temos a certeza de que o tempo traz questões que os bastidores guardaram a sete chaves e o futuro, antes tão próximo, parece ter fugido num “rabo de foguete”. O tempo Rei mostra “as velhas formas do viver”. A intolerância circula desinibida por entre aqueles que diziam defensores das minorias, enquanto os canhões de um mundo fake estão apontados pra nós.

Sempre que estudamos nossa história, deparamo-nos com os fronts de suas guerras físicas ou ideológicas, com as utopias que alimentaram esperanças, com as identidades que se forjaram. E, assim, nesse teatro de campos de batalhas entendemos que pouco ou quase nada de novo acontece. Sim, reitero que cresci acreditando na luta para se construir um país justo, equilibrado e capaz de conviver com a diversidade. Cresci me desconhecendo e ao mesmo tempo me reconhecendo. Jamais desejei perceber que minha dor era saber que apesar de tudo que fizemos “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Genialmente, Belchior traduziu esse sentimento tão hodierno que insiste em me contaminar. Em 1988, escrevi, ainda de luto com a adolescência, os seguintes versos: “enquanto eles trajados no puro linho se fartam de vinho, seguimos digerindo restos, confiantes que um novo tempo está vindo”. Passados quase 40 anos, pergunto: será que sou eu amo o passado e não vejo que o novo sempre vem? Meus ídolos hoje contam o “vil” metal, enquanto o fogo arrasa o pantanal e os Yanomami desaparecem na fome para alimentar o egocentrismo burguês. Assim, a lama da ganância arrasta a verde esperança de tantas Marianas.

Pois é, meu caro Belchior (que Deus o tenha), sem seus cabelos ao relento, sem a nova ideia de uma juventude, tudo parece envelhecer. Serei apenas um rapaz latino-americano caminhando nesse deserto político, mas as aparências já não enganam não. Os ventos movem as dunas da esperança e nos deixa a solidão do tempo. Só me resta seguir como folhas no outono que guardam a utopia da primavera.

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